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Cinescópio Nove- Novembro\Dezembro de 2017

Lion - domingo dia 26.11 às 19 horas - ENTRADA E LIVRE - TRIBUNA LIVRE CULTURAL

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                         por

                              José Valmorbida é cineasta

                             

 

        

 

 

 

 

 

 

 

      

 

 

 

Lion: Uma jornada para casa

 

Garth Davis, australiano, renomado diretor de comerciais, ganhador do Emmy com a minissérie "Top of the lake" (2013), abre sua jornada no cinema com seis indicações ao Oscar no seu filme "Lion: Uma jornada para casa". Os cinéfilos mais sisudos, que só acreditam nos diretores fieis ao cinema e à telona, podem achar que este venha a ser mais um rostinho bonito vindo do trilionário ramo da propaganda mundial se aventurando na sétima arte, porém, nada como uma boa cinematografia para arrebatar os mais incrédulos. Uma tapa bem dada, assim como Michel Goundry e Spike Jonze fizeram.

 

Sensível, artístico e contemporâneo, o filme narra a estória de Saroo, menino indiano muito esperto e espevitado, que sai para ajudar o irmão em seu trabalho e acaba se perdendo no mundo, trilhando uma estória de percalços, resiliência e redenção. A trama se passa no diálogo entre a infância passada na Índia e em seu presente, já moço, na Austrália. Nesta composição de narrativa, muitas perguntas e conceitos fundamentais são confrontados. Afinal, o que nos define enquanto pessoa? Somos frutos de onde nascemos, nossas raízes ancestrais, ou somos fruto do meio onde vivemos? Qual a relevância de ter uma vida estável em plena zona de conforto quando se carrega uma bagagem grande da pureza dos momentos simples de uma infância difícil mas feliz?

 

Ao homem, torna-se indissolúvel a presença de seu passado, já que a ele atribuímos o fundamento do nosso presente. Entretanto, a disparidade entre as realidades destes tempos geram um conflito existencial e pessoal bastante íntimo e denso, que ao mesmo tempo que revigora e aviva sentimentos tenros, ela agride e definha certezas de personalidade ou a segurança de ser o que se realmente é. A jornada para casa, na verdade é uma jornada em si mesmo, onde as lacunas de uma separação espaco-temporal de vida e família entram em crase, sendo a resolução desta conflagração, o nascimento de um eu autêntico e finalmente completo.

 

​​​​​​Lion: uma jornada para casa

Garth Davis - 2016 - 118 min.

Sinopse: Aos cinco anos de idade, o indiano Saroo se perdeu do irmão numa estação de trem de Calcutá e enfrentou grandes desafios para sobreviver sozinho, até ser adotado por uma família australiana. Incapaz de superar o que aconteceu, aos 25 anos ele decide buscar uma forma de reencontrar sua família biológica.

          

                       

 

 

 

por Gisele Motta (cineasta)

 

Brincando com o tigre​

A ficção e a realidade não são como óleo e a água: elas coexistem. Saramago usou originalmente a metáfora para falar sobre a alegria e a tristeza. A mescla posta nesses termos distintos é colocada como desafio pelo novo filme de Eliane Caffé, Era o Hotel Cambridge. Nele, o espaço representado de um antigo hotel ocupado por sem-teto e refugiados torna ainda mais sombria a indistinção entre o real e o irreal.

 

Inicialmente surge a pergunta: é documentário? O que vemos pertence ao mundo de dentro da tela ou de fora? Aos poucos o questionamento perde importância e se dilui na sequência de imagens que vão nos conduzindo do mundaréu de vivências ocultas da cidade-mundo São Paulo para o interior do edifício, onde o encenado e o vivido ganham uma luz indissociável. Por uma rede de encanações e fios somos enclausurados nos cômodos abandonados em um submundo do absurdo, palco de extrema realidade.

Ambientado numa atmosfera babélica, os excluídos das cidades brasileiras dividem a cena com os excluídos do mundo: são os refugiados, que fogem das guerras geradas por uma geopolítica insana e destrutiva. Tal como dois prédios não ocupam o mesmo lugar na cidade, seria possível dois tipos de excluídos reivindicarem a mesma ocupação?

Brasileiros, palestinos, congoleses: a pobreza, baseada em um mundo de competição, faz isolar; destrói a possibilidade de construir o bem comum, cria individualidades vulneráveis. No entanto, é dessa vulnerabilidade que surge a luta em organizar o coletivo. Carmem, personagem de si mesma, sintetiza o lema dessa busca: somos todos refugiados!

As ocupações urbanas se proliferaram na medida em que as cidades se tornaram cada vez mais desmedidas, irracionais e excludentes. Na lógica da cidade-mercadoria, o horizonte vai sendo cortado por grandes edifícios, criam vazios verticais para fugir do vazio que criaram nas ruas. É uma geografia urbana produzida para o lucro de alguns.

 

O mundo, que não anda bem, exibe seus sintomas nas cidades: a profunda desigualdade de renda, a intolerância, a falta de co-presença, o medo. As vivências que cotidianamente ocupam cenários de não-lugares tem em Era o Hotel Cambridge seu destaque e o que ostentam é a própria realidade, o absurdo.

Confuso como atravessar uma rua na hora do rush, o filme é entrecortado, onde vozes polifônicas se esbarram ao tempo todo, num coro único; confusão de vozes, conduzindo vidas e personagens sólidos ante paredes mágicas. O teto de amanhã não se garante para esses, só a luta.E os sonhos. Se o que era sonho, vira terra; o que era hotel, vira ocupação: ocupar a cidade é o futuro.

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A vizinhança do tigre

Affonso Uchoa - 2014 - 98 min.

Sinopse: Os jovens Juninho, Menor, Neguinho, Adison e Eldo são moradores da periferia de Contagem e vivem divididos entre o trabalho e a diversão, o crime e a esperança. Para sobreviver à luta de cada dia, eles terão que domar o tigre que mora dentro de si.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O cinema negro brasileiro precisa ser visto

 

No final de agosto o Cineclube Lumiar realizou uma sessão de gala do documentário “Pitanga”, dirigido pelo experiente Beto Brant (que esteve presente na noite). Antônio Pitanga é um senhor ator, extremamente atuante no movimento do Cinema Novo, atuando em mais de 50 obras cinematográficas. Porém poucos sabem que além de ator, Pitanga foi o terceiro cineasta negro a dirigir um longa-metragem no Brasil.

 

“Na boca do mundo” (1978) é ambientado em Atafona (distrito de São João da Barra-RJ). O filme aborda a vida de Antônio, um pobre pescador (atuado pelo próprio Pitanga) e  Terezinha, sua mulher (Sibele Rúbia) que pretendem sair dali e ganhar o mundo. A partir dessa premissa simples, Terezinha incentiva seu parceiro a aplicar um golpe em uma rica madame recém chegada na pequena cidade (Norma Bengell):  engravidá-la afim de tomar posse de sua riqueza. Muito além disso, a ideia de gerar um filho de um negro seria a vergonha de uma burguesia que ainda se mantem no Brasil. A única realização de Pitanga dialoga com um país que ainda vive o racismo de forma tão latente.

 

Três anos antes, Waldyr Onofre, outro ator extremamente atuante no cinema e teatro, lançava “As aventuras amorosas de um padeiro” (1975). Apesar do título sugestivo, a comédia passou pela tangente das pornochanchadas da época. Mais um diretor de filme único, em sua sátira da classe média, discute infidelidade conjugal e conflitos raciais; culminando em carnaval, declamação de Shakespeare e um transe geral. “As aventuras...” é assim, um filme sobre o poder da cultura afro-brasileira,  sendo uma das mais brilhantes realizações brasileiras.  Poucos anos antes do falecimento de Onofre em 2015, felizmente a obra foi redescoberta por uma juventude cinéfila do Rio, sendo exibida em diversos cineclubes e mostras da cidade. Rendendo ao diretor uma homenagem, certamente muito menos expressiva do que ele, de fato, merecia.

 

Disserto acima sobre duas personalidade que vim a conhecer nos últimos anos, porém ainda há muito o que conhecer. Sendo assim, creio que valem ser adicionados aqui alguns outros nomes que já conhecia ou vim a conhecer enquanto escrevia esse texto: Afrânio Vital, André Novais Oliveira, Joel Zito, Zózimo Bulbul, Celso Prudente, Gabriel Martins, Cajado Filho, Jéssica Queiroz, Agenor Alves, Haroldo Costa, Rogério Moura, Odilon Lopes, Safira Moreira, Jeferson De, irmãos Carvalho e Yasmin Thayná e certamente mil outrxs que todos temos que conhecer dos mais distintos tempos e gêneros. 

 

Assim retomo, o título desse texto. Temos que ver, discutir e levar adiante a produção do cinema negro brasileiro, contemplando assim o cinema sob uma outra ótica. Em um território de disputa e resistência, que felizmente vem sendo gradativamente mais valorizado com uma potente safra de jovens cineastas. A notar pelo Festival de Brasília deste ano, que em sua premiação contemplou uma ampla maioria de cineastas negros. E caso o leitor tenha interesse em entender como a discussão está atual, vale buscar pelos registros dos debates que ocorreram no festival, tendo a mesa do longa “Vazante”, da veterana cineasta branca Daniela Thomaz, como ponto alto dessa questão, que provavelmente permeará os próximos anos.    

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As aventuras amorosas de um padeiro

Waldyr Onofre - 1975 - 100 min.

Sinopse: Entre o drama e a comédia, retratando os hábitos e costumes do subúrbio do Rio de Janeiro da década de 70 o filme traz a tona de forma irônica e debochada as relações interraciais entre Rita (Maria do Rosário), branca, dona de casa recém casada, não correspondida pelo marido Mário (Ivan Setta), e Saul (Haroldo de Oliveira), artista negro. Rita se envolve numa filmagem que Marques (Paulo César Peréio), bem estabelecido padeiro português, culminando com uma folclórica tentativa de flagrante de adultério, crime na época.[1] No final, elementos de candomblé são também introduzidos. O longa-metragem ganhou o KIKITO de Ouro, prêmio máximo, no Festival de Gramado de 1976.

 

 

 

 

   

2.
Âncora 1

A vizinhança do tigre - domingo dia 3.12 às 19 horas - ENTRADA E LIVRE - TRIBUNA LIVRE CULTURAL

As aventuras amorosas de um padeiro - domingo dia 10.12 às 19 horas

ENTRADA E LIVRE - TRIBUNA LIVRE CULTURAL

Âncora 2
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