top of page
Still de Na estrada

 

 

 

O ritornelo dos incompreendidos de François Truffaut

 

       Quero iniciar as minhas indagações através das seguintes imagens: um menino correndo sem direção. Por que ele corre? O que ele busca? Um professor ensandecido despeja o seu ressentimento e ódio sobre os alunos. O que ele ensina?  Sobre uma carteira um corpo recolhido que treme enquanto sua escrita frenética parece expressar essa contradição oscilante entre o desespero e a esperança. Mas ela também revela o vigor do movimento incessante da vida sobre uma superfície branca de uma folha repleta de clichês em um lugar negro, enclausurado e angustiante. Esses dois tons cromáticos acentuam esse contraste binário, vertical e existencial entre alguns elementos topográficos afetivos que estão presentes em todos os momentos do filme: o quadro, o professor, o quarto, o pai, a mãe e uma estante. No caso dessa última, por estar aparentemente vazia, ganha o estatuto de poesia imagética no momento em que forma e profundidade se dão através do altar construído para o santo Balzac delirante, que anuncia a sua presença nesse interior através do fogo. O mesmo elemento divino que para o filósofo grego Heráclito tem o poder de expressão, criação e destruição que Prometeu precisa roubar dos deuses para presentear os homens. Três ações reunidas sob o mesmo signo formam a imagem do fogo como pensamento ou pensamento de fogo? Essa força devastadora que anuncia a sua presença entre uma ausência completamente hesitante guarda em si o sentido mais genuíno da poesia. Ele é aquele que diz que a medida da vida é dada entre o conflito entre o arco e a lira que busca a plenitude dos contrários no silêncio da harmonia dilacerante.

          Balzac como um daimoné invocado para testemunhar o drama vivido por Doneil. O seu mestre foi um dos que mais compreendera os meandros mais sutis que compõem a natureza humana. Ao ler seus livros podemos perceber o intenso meta-diálogo que pode ser captado em vários momentos do filme. Trazê-lo à presença naquele jantar é um modo de anunciar ao mundo quem é o seu verdadeiro pai. Talvez esteja aí o momentos mais belo do filme que revela uma forma singela de escrever sobre o amor. Do mesmo modo que Platão fez outrora com Sócrates. Esse encontro só é possível através da arte que na língua grega divide o seu sentido com a poesia através de vários outros caminhos, e que tem o poder de imortalidade que transcende o tempo e o espaço.

           O cinema é uma dessas vias que desafia a nossa tão pobre e petulante racionalidade através da supressão do instante privilegiado que habita entre o depois e antes. Ele tem o poder de dilacerar esse movimento de um tempo cronológico ordinário em busca de um tempo perdido, afetivo e extraordinário que nunca foi esquecido, mas que permanece soterrado em nós. As alusões aqui não são meras coincidências. O diálogo entre as imagens nesse filme ocorre em um espaço-tempo totalmente dissimétrico, frio e desigual como o nosso mundo. E aí encontramos outro ponto afetivo com a literatura realista balzaquiana. Mas esse movimento estranho é revelador. Mais duas palavras: revelação e dor. Entre dois mundos: o ser e devir. Permanência e mudança. Não é proposital e nem casual. Ele está acima de todos nós como uma lei não escrita que foi anunciada a plenos pulmões por Antígona no passado.

          O que essas imagens nos mostram? Em um dos recortes semânticos possíveis, o grande Truffaut navega em suas próprias lembranças para anunciar ao mundo de modo poético e profético o rancor de uma sociedade totalmente decadente que posteriormente eclodirá a sua revolta nos idos de maio de 68. Todos os valores tidos como modelos para a formação humana estão em colapso. A sociedade, escola, família e o corpo– elementos que estão sob a falsa égide do estado - chegaram ao ápice da decadência. Aliás, o significado original de estado, que vem da palavra latina status,aponta para algo temporário que pode e deve ser alterado e reinventado. Não é por acaso que Ser e estado formam um dos binômios mais importantes do pensamento filosófico. E mais uma vez me vem à memória as imagens dos filósofos Heráclito e Parmênides. Perdoem-me pelas digressões, mas elas se fazem necessárias aqui.

            O corpo do menino Doinel é o espaço onde todas essas contradições se deflagram de modo extremamente violento. A questão ontológica se confunde reciprocamente com um problema ético, físico e estético. O estado, família, escola dentro desse contexto atuam como clausuras que castram o movimento da vida que pulsa na alma do jovem. Exatamente por isso que não é fortuita a relação que o cineasta faz entre a escola e o reformatório em diversas partes do filme, pois ambas estão cercadas por grades compostas de tristeza e ressentimento que foram forjadas com a textura impotente do modo de vida burguês. O menino experimenta a hipocrisia esquizofrênica de seus pais – que em outro nível é a imagem de uma geração fracassada e decrépita - que lhe priva o seu vir a ser.Todas as neuroses dos seus antepassados são cuspidas nesse corpo franzino que é a única possibilidade de mudança dessa geração perdida, mas não há esse reconhecimento entre as partes. E aqui encontramos a consubstanciação entre filosofia, cinema, poesia e literatura. Dito de outro modo, entre Balzac, o menino Doinel e Truffaut ocorre a seguinte afirmação: a liberdade é uma conquista que só pode ser obtida através do confronto e do desvio. Esse é o imperativo ético que é proposto no filme e que responde às nossas questões iniciais. Todos os pequenos delitos e o comportamento furtivo que são praticados entre os jovens, independentemente da origem socioeconômica de cada um deles, apontam para essa busca incessante da afirmação da vida através do conflito.

             Os grandes pensadores como Homero, Lucrécio, Jean Genet e Foucault, cada um ao seu modo, apresentam variações desse mesmo problema. Como disse anteriormente, Truffaut teve que recorrer aos seus recortes afetivos mais significativos para denunciar esse desequilíbrio. O instante privilegiado pelo cineasta está no recorte cinematográfico que ocorre entre o fim da infância e o início da adolescência. Esse momento é decisivo, pois é a partir dele que a fase adulta será de fato moldada. Logo, para o cineasta esse é o ponto central de onde partem todas as suas questões que serão desenvolvidas no filme. Desse modo, o tempo precisa ser desconstruído e retirado da sua função ordinária para revelar essa memória afetiva que está encoberta pela hipocrisia coletiva. Ao libertar e reconfigurar todas essas lembranças afetivas o cineasta nos apresenta o seu olhar sobre o passado que questiona o futuro, e nesse instante, ele crava o seu ritornelo que nos faz retornar as nossas questões iniciais a partir de uma outra variação melódica que ressoa do seguinte modo: para onde estamos levando as nossas vidas?

 

 

 

      (Emerson Facão)

        Poeta, músico e professor do curso de Especialização em Arte e Filosofia e Filosofia Antiga PUC-Rio.

EM CARTAZ no Domingo, dia 25 de agosto de 2016, no cineclube Lumiar.

OS INCOMPREENDIDOS

François Truffaut – FRANÇA – 1959 – 99 min.

O filme narra a história do jovem parisiense Antoine Doinel, um garoto de 14 anos que se rebela contra o autoritarismo na escola e o desprezo dos pais Gilberte e Julien Doinel. Rejeitado, Doinel passa a faltar as aulas para freqüentar cinemas ou brincar com os amigos, principalmente René. Com o passar do tempo, as censuras o direcionarão, vivenciará descobertas e cometerá delitos em busca de atenção.

Still de Os incompreendidos

 

 

 

 

Na estrada, na estrada da adaptação literária no cinema

 

     On the Road é talvez uma das obras mais importantes da literatura na entrada da segunda metade do século XX, escrita em 1951 em poucos dias e publicada em 1957. No barco da geração Beat que contava com expoentes em vários campos de expressão  artística dentre eles  Allen Ginsberg, William S. Burroughs, Neal Cassady . Jack Kerouac que assina esta obra trouxe uma serie de inovações ao seu livro dentre elas o parágrafo único que impõe um ritmo alucinante na narrativa, esta que também se apresenta como novidade , aos longo das centenas de paginas do livro entre descrições de paisagens , estradas, noitada, aventuras amorosas  e o ritmo frenético do jazz bepop que era a grande novidade da época e que deixava os bares e as casas onde havia musica em chamas influênciam totalmente o autor que nos coloca dentro do livro de uma maneira que não conseguimos largar o livro por pouca coisa.

       Nascido nos Estados Unidos em 1922 em Lowell- Massachusetts Jean Louis Lebris de Kerouac  é autor de outros livros como “ Vagabundos do Dharma” , “ Big Sur” entre seus ídolos estavam Rimbaud, Hemingway, Charlie Parker, Gogol, Proust, Jack London, James Joyce, Dostoyewsky....... É interessante que ele protagoniza esta estória que se passa entre 1948 e 1951 no clássico papel do narrador, o clássico papel logo é chutado quando ele resolve colocar o pé na estrada numa louca aventura pelos Estados Unidos, vai ao encontro de amigos, que acenam por cartas de diversos pontos da América, entre encontros e desencontros com os amigos artistas , poetas , músicos, lavradores, construtores, dentre outros americanos comuns que dividem esse “protagonismo” e recheiam o livro com inúmeras passagens incríveis , ele faz fluir seu estilo literário empolgante. Este livro foi escrito em parágrafo único num super rolo que o autor ao acabar a obra entregou aos seus editores e se eternizou numa foto .

         Mas você leitor do cinescópio deve estar se perguntando , mas que diabos este cara esta escrevendo sobre esse livro? Pois bem,  este livro por sua importância, por ser talvez um importante expoente da prosa dessa geração pensadora e louca  norte americana, foi adaptada para o cinema e lançada a fita em 2012 com uma super equipe capitaneada pelo brazuca Waler Salles, que segue o caminho de sucesso que obteve quando fez “ Diários de Motocicleta”. Sempre caímos na velha discussão da adaptação do livro ao filme, que é uma grande dificuldade , tanto pra que faz a adaptação como para quem lê e depois vai assistir ao filme.

         Não é a minha intenção, claro que há inúmeras questões que podem ser discutidas por horas, em mesas de bar entre um jazz e outro, mas escrevo pra chamar a atenção da importância histórica da obra no contexto temporal da literatura,  e como os efeitos  e artifícios que Kerouac utiliza ,são tão eficientes que talvez chame mais atenção que a própria história na ótica de alguns leitores ou expectadores. Obviamente seguindo a tendência  a obra perde um pouco da magia quando se transforma em filme, mas a vida na estrada é tão alucinante que a boa direção e a beleza do filme entre fotografia , direção de arte e as sutilezas sensíveis de detalhes narrados no livro.

Poderíamos talvez no fim após ler o livro e ver o filme até ensaiar concordar que  não seria expressamente necessário ser fiel , totalmente fiel ao livro , Walter Salles na verdade mergulha nesse universo da estrada e ao incorporar esse espírito muito bem, coloca a câmera como mais uma testemunha dessa filosofia da “vida na estrada” que Kerouac inaugura com estilo.

          Poderemos conferir este filme juntos pois estará na tela do Cineclube Lumiar este mês, não vá perder essa !

 

      (Leo Loureiro)

EM CARTAZ no Domingo, dia 28 de agosto de 2016, no cineclube Lumiar.

NA ESTRADA

Walter Salles – EUA – 2012 – 140 min.

Nova York, Estados Unidos. Sal Paradise é um aspirante a escritor que acaba de perder o pai. Ao conhecer Dean Moriarty ele é apresentado a um mundo até então desconhecido, onde há bastante liberdade no sexo e no uso de drogas. Logo Sal e Dean se tornam grandes amigos, dividindo a parceria com a jovem Marylou, que é apaixonada por Dean. Os três viajam pelas estradas do interior do país, sempre dispostos a fugir de uma vida monótona e cheia de regras.

1.
2.
Âncora 1

Cinescópio Um - Julho\Agosto de 2016

bottom of page