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Cinescópio Três - Novembro\Dezembro de 2016

1.

30 anos sem Andrei Tarkovski

Guilherme Whitaker

(cineasta e produtor)

 

 

Andrei Tarkovski mudou minha vida e fico muito feliz de poder lembrá-lo e exibi-lo nos 30 anos de sua morte. Quando conheci o cineasta, em 1989, ele já tinha falecido de câncer, com apenas 54 anos. Eu tinha 20 anos e era gerente da videolocadora do Estação Botafogo (RJ), quando começava a melhorar o cenário da difusão do cinema de arte (mundial) no Rio, quando se ia ao cinema para ver, em 35mm, os novos filmes de grandes cineastas. Eram acontecimentos que todos esperavam, o novo Coppola, o novo Kurosawa, e assim por diante. Foi então que assisti no cinema a Stalker; e a Solaris;, talvez seu filme mais conhecido. Na época, dizia-se que era a “resposta” Russa a 2001 - uma odisséia no espaço, como se filmes desse calibre precisassem competir. Imediatamente, comprei seu livro recém lançado e vi, em VHS e/ou dvd, seus outros filmes.

Também amo e escolhi Tarkovski porque seus (apenas) 7 longas têm em comum temas que, desde sempre, colocam o Ser humano em questão: vida, consciência, morte, memória e sonhos, usando o tempo como matriz dos enredos e enquadramentos. É inacreditável (e tema de discussões em todo o mundo e há muito tempo) essa forma tarkoviskiana de fazer cinema, um espanto fascinante!, como o próprio cineasta escreve no livro autobiográfico, "Esculpir o tempo": "(...) por meio do cinema, é necessário situar os problemas mais complexos do mundo moderno ao nível dos grandes problemas que, ao longo dos séculos, foram objeto da literatura, da música e da pintura." 

 

Mas por que exibir O ESPELHO? Porque nunca vi nenhum filme tão belamente estranho como este. E costumo ver 1.000 filmes por ano (a maioria curtas), já que trabalho com curadorias. A chance de passar um filme e depois conversar com o público sobre, me fez optar por esse título, não poderia perder a chance! Cineclubismo é isso, não apenas pagar, ver, comer pipoca e ir embora, mas não pagar, não comer pipoca, ver e papear depois, dando chance para que novas e/ou velhas questões aflorem, assim como renova-se em todos a paixão pelo cinema como arte. É isso que nos move a fazer cineclube, esse amor ao cinema para que certos filmes cheguem mais longe e pra mais gente.

É muito gratificante quando isso acontece de fato e no Cineclube Lumiar tem

rolado há incríveis 9 anos! Bem feliz fico de agora fazer parte dessa ação tão

bonita!

Então decidi por exibir/papear O ESPELHO porque creio ser o filme mais

complexo e obscuro do cineasta que, obviamente, não é popular, pois seu cinema

visa chocar (poeticamente, claro), não entreter. É esse o filme sobre o qual

Tarkovski mais escreve em seu livro, pois o próprio considera sua obra mais

pessoal e fora da curva. E isso, num cinema já fora do comum, não é pouca coisa.

O filme tem diversos poemas de Arseni Tarkovski, pai do diretor, narrados pelo

mesmo, e percorre a vida do cineasta desde sua infância até quando já era diretor de filmes numa URSS à beira do colapso. Todavia, o foco do filme não é o cineasta e sim a sua mãe/mulher/avó. O que na mão da maioria seria um drama corriqueiro, com Tarkovski e seus planos geniais onde o tempo é protagonista, vira algo extremamente potente, eterno. É comum, por motivos diversos, guardarmos na memória cenas de certos filmes. Pois O ESPELHO carrega várias cenas que me impactaram de forma permanente e que passaram, a partir de então, a fazer parte da minha memória, do meu ser. A cena do casal na cerca de madeira, da mãe/feiticeira controlando a ventania e/ou tomando banho com o marido e sendo vista pelo filho pequeno, da casa em chamas, da casa desmoronando, da mãe correndo na chuva indo à gráfica para evitar a impressão de uma palavra errada e, claro, os fantasmas... Isso sem lembrar da fotografia em planos belíssimos, pinturas em movimentos perfeitos, exatos na construção de um filme inacreditável, sem igual na história do cinema, um raríssimo "cinema metafísico", que escancara e leva adiante o significado da palavra ARTE e que, obviamente, tende a desagradar ao grande público, cada vez mais ansioso e bitolado pela televisão e redes sociais, sem tempo para planos maiores.

 

 

 

Por fim, Tarkovski escreve sobre o filme: "O ESPELHO é também a história da velha casa onde o narrador passou sua infância, da fazenda onde ele nasceu e onde viveram seu pai e sua mãe. Esta casa, que com o passar dos anos se transformara em ruínas, foi reconstruída a partir de fotogramas da época e dos alicerces que ainda sobreviviam. Assim, acabou ficando exatamente como fora quarenta anos antes. Quando levamos até lá minha mãe, sua reação superou todas as minhas expectativas. O que ela experimentou foi uma volta ao seu passado, e isso me deu a certeza de que estávamos no caminho certo. A casa despertou nela os sentimentos que o filme pretendia expressar".

 

O ESPELHO

dirigido por Andrei Tarkovski; escrito por Aleksandr Misharin, Andrei Tarkovsky; União Soviética. 1975 | 108 min.

 

 

Sinopse: O que começou por ser para Tarkovski um plano para uma série de entrevistas com a sua própria mãe transformou-se numa meditação lírica e complexa sobre o amor, a lealdade, as memórias e a história. Trata-se de uma surpreendente confissão da sua própria vida, com um espelho quebrado, intercalando memórias de uma infância sofrida com realidades adultas e resultando numa autobiografia abstrata e numa evocação à inocência da infância. As memórias de Tarkovsky e de sua mãe entrelaçam-se e desenrolam-se no período que antecede à segunda Guerra Mundial, e uma Rússia suntuosa e de sonho é evocada pela voz do pai de Tarkovsky recitando a sua própria poesia elegíaca. A natureza sempre em mudança é captada pela câmara de Tarkovsky como que por magia. Um filme radioso e sublime que pode ser encarado como o trabalho de um homem que encontrou a sua voz e que aprendeu a expressar-se na sua própria forma mais poderosa.

still de O Espelho

still de O Espelho

still de O Espelho

O ESPELHO - sexta dia 13.1 às 19 horas - ENTRADA E LIVRE - TRIBUNA LIVRE CULTURAL

Balzac e a Costureirinha Chinesa

Raphael Heiderich

(Vocalista da banda Hell Oh!)

 

 

Um país em transformação e crescimento pode trazer novas oportunidades e possibilidades para as pessoas, assim como mudanças e transformações na forma de viver e absorver o mundo ao redor.

As milhares de formas de entretenimento e acesso ao conhecimento dos dias de hoje era algo inimaginável há décadas atrás, imagine como seria viver em um país onde a arte, ou o acesso ao conhecimento que não fosse aprovada pelo governo? Não poder ter a liberdade de saber mais sobre o que te desperta interesse, o que te faz ir a outros mundos. Fazer de tudo e enfrentar o medo para poder ter o que é simplesmente feito para ser de todos, é algo que mesmo hoje em dia, em um mundo globalizado e de infinitas possibilidades, pode ser um tema comum.

 

 

 

 

 

Na época da revolução chinesa eram proibidos livros de autores estrangeiros e até livros chineses que despertavam a subversão de seu povo a novos costumes, uma forma de proteger a cultura e os costumes de seu país. Ao mesmo tempo os jovens chineses tiveram mais oportunidades de estudo com universidades e novas tecnologias que chegavam à China com a industrialização e a abertura do mercado externo o que hoje em dia está explícito em milhões de produtos Made in China que nos cercam e que estão em quase todo mundo. Mas será que o que proporcionou isso não foi o foco em conduzir um povo em direção a uma meta que os introduziria na roda dos países “modernos” (nesse caso o de concentrar os esforços e de utilizar a educação numa ferramenta de formar trabalhadores e não pensadores)?

O que seria pra uma costureira chinesa que mora em um lugar paradisíaco em meio ás montanhas, em um lugar sem luz elétrica, onde a maioria das pessoas não sabia ler e escrever, sem as facilidades e a velocidade do nosso mundo moderno? Aprender a ler e usufruir de livros que trazem pensamentos e costumes totalmente novos, histórias de culturas totalmente diferentes as contrastando com a vida ao redor, das imposições de uma sociedade fechada e tradicionalista, em um lugar pequeno do interior que literalmente está prestes a ser afogado pelas necessidades dos grandes centros urbanos, é um mergulho em águas profundas. É maravilhoso e às vezes aterrorizante pelo tanto de possibilidades que os livros que ela devorava com seus novos amigos traziam para seu mundo nas montanhas, onde os lavradores plantam arroz com praticamente metade de seus corpos enfiados nos campos inundados e se espantavam com um simples instrumento, como um violino trazido pelos estudantes Luo e Ma.

 

 

 

BALZAC E A COSTUREIRINHA CHINESA

Sijie Dai| China | 2002 | 110 min. | 14 anos

 

 

O filme Balzac e a costureirinha conta de uma forma doce a história de uma comunidade que recebe dois estudantes de Pequim em plena revolução chinesa, liderada por Mao Tse Tung. Os jovens Luo e Ma são enviados por seus pais para terem contato com os antigos costumes e o trabalho pesado, no caso para demonstrar aos dois o quanto esses valores e o modo de vida do interior poderiam reeducá-los. Mas a influência trazida por eles para a comunidade local parece afetar as pessoas mais do que imaginavam. A revolução para os jovens acontece ao conhecerem uma garota, a costureirinha pela qual se apaixonam e desenvolvem uma amizade linda, roubando livros proibidos e os lendo escondidos em momentos de descoberta, enquanto convivem com a espera da construção de uma represa que deixará o pequeno lugar e suas lembranças submersos.

BALZAC E A COSTUREIRINHA CHINESA - domingo dia 18.12 às 19 horas - ENTRADA E LIVRE - TRIBUNA LIVRE CULTURAL

2.

still de Balzac e a Costureirinha Chinesa

still de Balzac e a Costureirinha Chinesa

still de Balzac e a Costureirinha Chinesa

still de Balzac e a Costureirinha Chinesa

Âncora 1

 

 

 

 

 

O cinema e a violência

por Paula Sancier

(Editora e diretora de filmes)

 

 

 

 

“De fato, para muitas pessoas na maioria das culturas modernas, a brutalidade física é antes um entretenimento do que um choque” (Susan Sontag)

 

           

 

 

​           Vazio, silêncio, choque. Uma criança morta na frente dos pais. Não há linguagem que expresse essa dor. O plano aberto distancia do espectador os corpos violentados. Paralisia. A dor comprime mãe e filho no canto do quadro. De resto, um enorme vazio, apenas os objetos da sala. Nosso olhar, sedento por sangue, é traído. Ficamos diante de uma sensação inominável.

            Sempre que pensava sobre a representação da violência no cinema, essa imagem de “Funny Games” vinha na mente. O sentimento que ficou foi de incompreensão diante do horror daquela “Violência gratuita” (tradução brasileira do filme). Uma família (pai, mãe e filho) vão passar férias na casa de campo e recebem uma visita inesperada de 2 jovens aparentemente gentis, mas que, através de um jogo de discurso, transformam uma situação comum em situação de violência, atingindo seu grau máximo.

            Essa incompreensão me fez pensar em imagens de violência que não causavam choque, como por exemplo um filme de guerra produzido por Hollywood. Não causavam choque porque durante anos foi construído um sentido para elas. O cinema, como arma de guerra, naturaliza o ato de matar e, em contrapartida, provoca destruição em massa do pensamento crítico pela via do entretenimento. Quais efeitos a posteriori a entretenimentização da violência causa? Como olhar para ela?

            Quando se faz um filme no qual a violência não tenha sentido, isso nos obriga a olhar para o ato em si. O choque dessa experiência pode, posteriormente, abrir um caminho de compreensão (via psicanálise ou não) amplo da violência. Em “Funny Games”, o espectador é colocado como participante da ação em vários momentos através do olhar para câmera do personagem-agressor. É como se estivessem perguntando, assim como Susan Sontag em “Diante da dor dos outros”: “o que vocês fazem diante disso?” Haneke retira do filme recursos melodramáticos como a trilha sonora e na montagem das cenas das mortes, ele retira as vítimas do plano, ficando apenas as ações dos assassinos. As expressões das vítimas são mostradas durante os diálogos, expressando a dor e o medo causados pela violência. No filme, ela se mostra de várias formas, seja pelo discurso, seja pelo silêncio, seja pelo gatilho. Haneke associa a violência a um imaginário construído pelas imagens em movimento – na morte do filho, não é seu franzino corpo que é mostrado, mas uma televisão ligada suja de sangue. Podem as imagens matar?

            A inércia diante de realidades violentas, - que podem se configurar também pelo discurso e não somente pelo gatilho – e a linha tênue entre ficção e real – se nos afetam é real – são questões que o filme coloca. Como sabemos se uma ação nossa não é motivada por um ou uma série de filmes que vimos, já que um ato é carregado de sentido? Sendo assim podemos afirmar que um filme pode compor uma realidade. Robert Bresson questiona o real ao se perguntar “o que é diante do real este trabalho intermediário da imaginação?” Para além de definições, pensemos como as imagens nos afetam e  o que revelam de nós mesmos.

            Cada vez mais olhamos o mundo através de uma película protetora que parece filtrar o que absorvemos, deixando apenas a informação. Absorvemos a informação e podemos transformá-la em conhecimento. No entanto, o que se faz com esse conhecimento? Como a partir dele gerar energia de ação?

 

 

 

 

 

VIOLÊNCIA GRATUITA

Michael Haneke| Áustria | 1997 | 108 min. | 16 anos

 

 

Sinopse: Família vai passar as férias na casa de campo e uma visita inesperada de 2 rapazes cria um ambiente  de violência gratuita.

 

VIOLÊNCIA GRATUITA - domingo dia 4.12 às 18 horas - ENTRADA E LIVRE - TRIBUNA LIVRE CULTURAL

still do filme

3.
Âncora 2
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